Aglisson Lopes
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Natália Bourguignon
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Uma trama envolvendo negociações secretas, acordos internacionais, disputas políticas, corrupção e exploração de trabalhadores liga o balneário de Guarapari, no Espírito Santo, ao programa de produção de armas nucleares dos Estados Unidos durante e depois da Segunda Guerra Mundial. O pivô de tamanha disputa é justamente o patrimônio que mais tarde deu fama à cidade por suas propriedades medicinais: a areia monazítica, rica em elementos radioativos. Essa areia abastecia as pesquisas de projetos secretos criados pelo governo norte-americano para acelerar a produção de bombas atômicas, sobretudo no período da Guerra Fria.
A reportagem do Gazeta Online teve acesso a documentos dos governos brasileiro e norte-americano, pesquisas acadêmicas, notícias de jornais da época e fotografias de arquivos públicos, que comprovam o envio de areia monazítica de Guarapari e outros municípios capixabas, do Rio de Janeiro e Bahia para os Estados Unidos – além de França, Alemanha e Inglaterra – entre as décadas de 1890 e 1960. Muitas vezes o envio era feito a “preço de banana” ou de forma clandestina, declarada como areia comum para preencher o lastro dos navios. Esse material, no entanto, é rico em tório, elemento radioativo muito visado em dois momentos da história: primeiramente usado para fabricação de luminárias a gás, exportada para a Europa a partir de 1890, e depois pela indústria nuclear na década de 1940, para desenvolvimento da bomba atômica.
Nesse caso, o tório virou alvo de cobiça internacional após a descoberta de que poderia ser produzido a partir dele Urânio 233 (U-233), elemento criado em laboratório e usado em reatores ou bombas atômicas.
Entre boatos e verdades, há quem diga até que a areia monazítica de Guarapari foi usada para a produção da bomba que caiu sobre a cidade japonesa de Hiroshima, em 1945, matando cerca de 80 mil pessoas no episódio mais marcante da Segunda Guerra Mundial. Tal história circulou por diversos jornais e permeou discursos de figuras políticas brasileiras na década seguinte, a partir das investigações de que centenas toneladas de areia monazítica saíram do Espírito Santo de forma clandestina durante décadas a fio. O fato é que não é possível precisar quanto da areia foi levado durante esse período. Após o escândalo invadir o noticiário, estimou-se que pelo menos 200 mil toneladas de areia e tório haviam sido retiradas (legal e ilegalmente) de praias brasileiras em pouco mais de 50 anos. Guarapari era o principal polo de extração.
Trigo, soldados e areia
A partir da década de 40, acordos oficiais entre Brasil e Estados Unidos consolidaram o que já era feito por empresas privadas sem qualquer controle e fiscalização. Getúlio Vargas se comprometeu a enviar a areia monazítica brasileira aos americanos, a preços módicos, como parte da “Política da Boa Vizinhança” entre os dois países.
Parte da elite intelectual brasileira defendia que a matéria-prima fosse mantida no país, e que fosse criada uma política nacional para desenvolvimento da tecnologia nuclear, o que não avançou. Além disso, apesar de inúmeras tentativas, os EUA não concordavam em compartilhar tecnologia e conhecimento atômico com o Brasil. Isso acabou gerando um mal-estar político que culminou com a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em 1956, para investigar os interesses brasileiros em torno dos acordos com os EUA.
Em outras negociações, foram trocadas toneladas de areia por trigo americano. Documentos mostram que o acordo favorecia somente a potência americana. O Brasil chegou a tentar enviar mais tório beneficiado em usinas locais, como forma de garantir mais lucros. No entanto, em uma manobra política, os Estados Unidos passaram a taxar a entrada do tório beneficiado em 33%, inviabilizando o envio por parte do Brasil. A areia monazítica bruta, por sua vez, não era taxada.
Em um terceiro momento, o Brasil foi forçado a se decidir entre enviar tropas aliadas para a Guerra da Coreia, em 1951, ou se comprometer a enviar mais areia monazítica e outras “matérias-primas estratégicas” para os portos norte-americanos. Parte da imprensa da época, de forte apelo nacionalista, chegou a tratar o assunto como um escândalo, com a pergunta “areia ou carne para canhão?”.
Em torno de toda a polêmica, homens ficaram milionários com a exploração da areia capixaba, enquanto que operários que trabalhavam diretamente com ela sofriam com baixos salários e jornada exaustiva. Do outro lado do continente, essa areia alimentava a sedenta indústria nuclear americana durante a Guerra Fria. Bombas de Urânio 233, produzidas a partir do tório extraído no Brasil, foram lançadas durante testes em 1956, segundo os arquivos das forças armadas americanas. No entanto, não há informações sobre quantas bombas foram produzidas e podem estar armazenadas até hoje em território americano, representando a participação do Brasil em uma guerra nuclear cujo acesso a informações até hoje é restrito.